O papel da Marinha se destaca dentro e fora do Brasil menos pela desenvoltura operacional do que pela superação da escassez de recursos.
Em setembro de 2015 a Corveta Barroso salvou duzentos e vinte imigrantes no Mar Mediterrâneo, acionada pelo Centro de Busca e Salvamento italiano para ajudar no resgate quando viajava para o Líbano com o objetivo de participar da missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no país. Alguns meses antes uma avaria no sistema de propulsão do Navio de Desembarque-Doca Ceará (NDD Ceará) deixara a embarcação à deriva, impedida de cumprir sua função no esforço de estabilização no Haiti. Dois rebocadores trouxeram o NDD Ceará (hoje desativado) da costa da Guiana Francesa à Base Naval de Val-de-Cães, em Belém (PA).
O Comando da Marinha reconhece publicamente que “nossos navios estão envelhecidos e são caros”, provocando panes corriqueiras em adestramentos no mar. Comprometem a capacidade de defesa dos oito mil quilômetros de águas jurisdicionais deficiências materiais e morais presentes desde a formação do pessoal.
De acordo com o Portal da Transparência, o Comando da Marinha gastou R$ 21,3 bilhões em 2016 e 81% do montante foram destinados ao pagamento de pessoal ativo e inativo, civil e militar. Aeronáutica e Exército gastaram 78% e 84%, respectivamente. A Marinha afirma que a crise econômica atrasou programas de modernização importantes e a preocupa o efeito sobre a motivação da tropa do número excessivo de navios desativados.
Nos últimos seis meses estiveram em operações da ONU e exercícios de treinamento e alinhamento de sistemas treze meios da Esquadra, entre eles dois submarinos. Doze meios se encontram inoperantes ou em processo de desmobilização – a página da Marinha na Internet lista atualmente vinte e cinco embarcações.
Ex-símbolo de poder, a aposentadoria do porta-aviões São Paulo, dezessete anos após a incorporação, simboliza a precariedade do estado de prontidão naval. Três acidentes graves, durante exercícios rotineiros, ocorreram nos anos de 2005, 2012 e 2014 matando quatro pessoas a bordo e ferindo dezesseis ao todo.
Há anos a tropa apresenta sinais de insatisfação com navios e equipamentos antigos. Os aparelhos que servem ao aprendizado em diversos cursos técnicos parecem ter cinquenta anos de idade. Popular, a expressão “de Marinha” significa de baixa qualidade, simplório. Ela faz parte do vocabulário geral em referência àquilo que, de maneira incorrigível, não agrada. Quando praças retornam de cursos de especialização ou extensão, se o treinamento foi superficial, vago, pouco desafiador, dizem que o curso foi de Marinha, ou seja, conforme estão acostumados.
No porto a habilidade de navegação definha e tripulações de navios fora de combate se deprimem, como uma ferramenta construída, mas nunca utilizada. Unidades de apoio em terra – prédios administrativos, escolas de formação, centros de distribuição etc – tiram o pó, lustram os metais dourados e pelo menos mantêm as aparências, principalmente nos distritos navais que excluem a região Norte.
Excessivamente burocrática, a Marinha carrega os problemas econômicos da Nação Brasileira e o marasmo do funcionalismo público. Nele não vemos esforço para agilizar processos internos, como empresas privadas praticam. A Marinha não é uma empresa, exige consideravelmente mais de seus integrantes, contudo, a responsabilidade na gestão do dinheiro público é uma obrigação incontestável.
Este artigo é parte do livro Casa de Agonia: A rotina na Marinha do Brasil. O livro denuncia o uso da hierarquia e da disciplina, bases sagradas do militarismo, como ferramentas de opressão que satisfazem os caprichos de chefes autoritários na Marinha. Leia a amostra