Há esperança no final dessa história. O filho pequeno de uma moradora do Raul Veiga começou a passar mal. Chorava, tinha febre, indisposição e o incômodo não passava. À noite, perto das 10 horas e da angústia total, Aline resolveu levar o filho à UPA do Colubandê, a três quilômetros de distância. Partiu a pé, único meio de transporte a sua disposição.
Ela não deveria ir tão longe para buscar atendimento médico. Na volta pra casa, ruas escuras, Aline e o filho não imaginavam que o desespero verdadeiro estava prestes a começar. Em geral, as calçadas no município são mortais. Junto com o menino, ela não viu um buraco no caminho e caiu do alto da ponte na RJ-104 após a passarela do Coelho, perto do local conhecido como Buraco do Mariola (um dos pontos mais imundos da cidade, fazendo juz ao nome).
A família conheceu o inferno construído pelo descaso com o morador de São Gonçalo. Mãe solteira, autônoma, Aline quebrou a bacia. Perfurou o pulmão. Teve fraturas pelo corpo inteiro. O filho quebrou o braço na queda. Sangrando embaixo da ponte, entre o rio poluído e o trecho onde há cobrança ilegal de pedágio, os dois gritavam por socorro. Antes de cada grito, Aline removia uma placa de sangue de dentro da boca. Não conseguia forças pra cuspir. Quando tinha certeza que desmaiaria, o medo do filho sair do local, entrar na rodovia e ser atropelado a mantinha acordada. Gritaram por mais de uma hora sem ver ninguém. Mãe e filho abandonados destruídos embaixo da ponte.
Até que um morador de rua apareceu. O homem sabia que sozinho não poderia fazer nada, então invadiu a RJ-104 pedindo ajuda. Nenhum carro parou. Nenhum motorista passando em uma rodovia estadual movimentada, vendo gestos de desespero de um homem na pista, teve a compaixão de parar. O medo de ser assaltado, ou sofrer um mal maior, e a indiferença foram mais fortes. Depois de muito insistir, um mototáxi resolveu descobrir o que aquele mendigo queria. Pobre ajudando pobre, é assim que o Brasil tenta sobreviver.
Aline continua sem trabalhar porque está se recuperando dos ferimentos graves. A primeira pessoa a dar uma cesta básica pra ela foi outra mãe solteira que dividiu a própria cesta básica que ganhou. Um grupo de oração do bairro também arrecadou alimentos. E amanhã, Aline e o filho terão o que comer?
O futuro deles depende da nossa decisão ao ver um homem na rua implorando por ajuda. Todos nós buscamos o isolamento por causa da violência, mas ao mesmo tempo estamos desesperados por um pouco de esperança. Esperança que só pode ser encontrada se estivermos juntos.
ATUALIZAÇÃO:
Foi criada uma vaquinha virtual para ajudar as vítimas desse acidente. Clique aqui para ajudar!
É importante que o amor se sobreponha ao medo. É importante que ouçamos nosso coração. É importante pensarmos que não somos apenas nós, somos todos. É como a vacina, não adianta vacinar-se se todos não se vacinaram. Não existem fronteiras para o vírus mas não existem também para o amor.
É Aline ou Amanda?
Amanda. O texto foi publicado antes de receber autorização por parte dela, por isso o nome verdadeiro não foi revelado.
Mulher, mãe solteira e como muitos brasileiros desempregados sobrevive do trabalho informal para dá de comer a seu filho de quatro anos. Hoje estive em sua casa e vi uma mulher acamada se recuperando de várias fraturas pelo corpo. Sem a mínima condições de andar tão cedo, ela não sabe como será sua vida, sem poder fazer faxina que era seu sustento. Seu filho continua de braço engessado depois de sofrer fratura, consequência da queda de sete metros que sofreu com sua mãe. Mas diante desse quadro dramático, deve-se atentar para a causa de todo esse sofrimento: as ruas cheias de buracos, vias sem ou com pouca iluminação e sem sinalização, e, o mais agravante, o desinteresse daqueles que um dia prometeram fazer desta cidade, um lugar digno para uma população tão sofrida como a de São Gonçalo.
Não consigo ler esse texto sem chorar.
Mario,
Na qualidade de cidadã gonçalense e moradora desta cidade há 52 anos, manifesto a minha preocupação com as graves questões sociais que impactam a vida desta mãe solo e seu filho. A narrativa revela o alto nível de exclusão social e invisibilidade social que as mulheres, em especial, as residentes em áreas de periferia de grandes cidades como a nossa, vivem. Coloco a instituição Movimento de Mulheres em SG a disposição para acompanhar, acolher, orientar e acionar uma rede de cuidados a favor desta mulher. Como sociedade civil organizada estamos a disposição. Deixo o meu.numero de telefone para ser repassado para ela. (21) 98464.2177 – Marisa Chaves
Muito obrigado, Marisa. A Amanda perdeu o celular na queda, mas passarei sua mensagem pessoalmente.
Foi criada uma vaquinha virtual para atender a necessidade mais urgente dela, que é o transporte para fisioterapia. O link é http://vaka.me/2706098