Os moradores do Rio de Janeiro sofrem com uma rotina de assaltos, assassinatos e terror. Granadas e fuzis – armas de guerra – estão nas mãos de jovens de menos de 20 anos de idade e são frequentemente usados contra a polícia militar do Estado. Uma calamidade diária, embora não seja a maior tragédia do Rio.
Há três anos atrás, o médico Jaime Gold foi abordado por dois adolescentes enquanto pedalava na Lagoa, bairro com o maior Índice de Desenvolvimento Social (IDS) da capital. Depois de entregar a bicicleta aos assaltantes sem reagir, Jaime foi esfaqueado por um deles e morreu horas depois. A perda gratuita e brutal de uma vida humana pelas mãos de menores de idade provocou enorme comoção na sociedade fluminense, mas ainda havia motivos mais antigos e profundos pra chorar.
Uma série de colapsos sociais antecede à falência da segurança pública de um Estado. O IDS apontou em 2015, ano em que Jaime foi assassinado, que a renda domiciliar per capita na Lagoa era quase 16 vezes maior do que no complexo de favelas do Alemão (Uol). Em outras palavras, um único carioca desfruta de uma renda equivalente aos rendimentos de 16 pessoas da cidade. Se levarmos em consideração que o tamanho médio da família brasileira diminuiu e em 2011 ela era composta por 3 integrantes (IBGE), nas mãos de um rico encontramos a renda de 5 famílias pobres.
As necessidades de quem mora no Alemão não são diferentes ou menores do que as necessidades dos moradores da Lagoa. Negar o acesso a direitos comuns, entre eles renda digna e educação, é um crime bárbaro, imperdoável e de consequências terríveis.
Além do Alemão, na Rocinha, no Jacarezinho, na Maré, na Cidade de Deus e nas demais comunidades ignoradas o esgoto corre a céu aberto na porta dos barracos e vai descendo por becos e escadarias. Quando saem de casa pra brincar, as crianças são obrigadas a pisar na merda. Pisam na merda e passam a tarde brincando de rabiscar no chão, ao lado de bocas de fumo.
O Instituto Data Favela estimou que 2 milhões de pessoas vivam em favelas no Rio de Janeiro, único da região Sudeste com mais de 10% da população em condições subumanas de habitação (G1). O abandono ao qual estão sujeitas é a maior violência estadual. O Governo Federal poderia intervir contra a pobreza do Rio antes de intervir contra a violência. Com o melhor especialista brasileiro em desenvolvimento social, em vez do autoritarismo humilhante de um General do Exército.
Vítima da pobreza em primeiro lugar, o fluminense das regiões controladas há décadas pelo tráfico de drogas perde parentes e amigos assassinados e tiros estouram as paredes de sua casa quase toda semana. Os casos que chegam à imprensa são, digamos, poucos. Raros aqueles que despertam a emoção popular.
Quem mora no asfalto guarda alguma esperança no sucesso do Exército. Já o favelado não acredita que a fonte de dinheiro dos grandes traficantes de armas e drogas será estancada até o fim de 2018, quando está previsto o término da intervenção na segurança pública. Ele não acredita que os roubos de carga diminuirão porque na realidade eles aumentaram após o primeiro mês da intervenção. Difícil crer em qualquer melhora quando o desemprego, o lixo, a lama e a fome não saem do alcance dos olhos nem por um segundo.