Foto: Pedro Conforte
A arte é necessária por desenterrar o preço de uma sociedade focada em questões reduzidas, como sucesso profissional, dinheiro e poder. Preocupações menores que geram um mundo de violência e desigualdade. A arte ainda permite diferentes interpretações sobre aquilo que expõe, enriquecendo o diálogo e a esperança. Por isso, quem mora em São Gonçalo deveria ir ao Cenarte Dimensões para ver com seus próprios olhos as obras da mostra “Quem nos protege, se não nós?”, de Jefferson Medeiros. De graça, ela está aberta ao público mediante agendamento até a próxima sexta-feira (19), na Travessa Rubens Falcão, número 346, Parada 40.
Dizem que arte de contestação social incomoda porque exibe o que queremos esquecer. Quanto mais a rejeitamos, no íntimo, mais precisamos dela. Quanto mais afastados da arte que desafia, distantes da tristeza da realidade, mais o trabalho artístico nos choca. Algumas obras de Jefferson provocam essa angústia. Trazem a vontade de perguntar ao artista:
– Por que você não nos poupou de ver um bebê, que inclusive move os braços quando venta, com um projétil dentro barriga? Não é desesperador demais? Não bastam as tragédias do noticiário?
Jefferson responde através dos outros itens no salão. Claro que é doloroso. A arte conta com o privilégio de poder representar aquilo que não existe para nos permitir sonhar. Por outro lado, tem a missão de refletir a realidade, por mais cruel que seja. Bebês são atingidos durante a gestação no Rio de Janeiro e crianças são mortas dentro de casa e na porta da escola. Admitimos tanto a tragédia, de maneira tão politicamente conivente, que houve tempo para a elaboração de estatísticas, atualizadas a cada ano, dedicadas ao assassinato de menores de idade no estado. Corremos o risco de um dia ser preciso expor em uma galeria os corpos empilhados de todas as crianças atingidas por armas de fogo para que certa comoção útil, transformadora, seja gerada. Não por acaso, na obra Troféu Genocídio Jefferson usou um osso (não humano).
A mensagem pode ser dura (e necessária), como o colete infantil à prova de balas com a marca da Secretaria Municipal de Educação do Rio, mas Jefferson consegue equilibrar beleza no acervo. E leveza, inclusive nas obras que contaram com concreto e vergalhão na produção. Não é apenas o estado fluminense que se encontra violento e desordenado, o mundo inteiro pode ser visto literalmente de cabeça pra baixo no Cenarte Dimensões em pelo menos duas obras. Mundo onde o corpo do pobre é ferramenta explorada de construção de moradia, trabalho e renda que, para o pobre em si, nunca chega. Corpo que também é alvo principal do poder de destruir que ostentamos.
O trabalho de Jefferson Medeiros nos protege da decepção total, onde deixaríamos de acreditar em um lugar melhor pra viver, visto que conscientização é o primeiro passo para a mudança. Mudança que segue firme através de coletivos, organizações não governamentais e mandatos de luta progressista, mas que não se tornou definitiva ainda porque há mais armas do que arte no cotidiano político e social.