Atingida por um tiro de fuzil na cabeça em julho, dentro de casa, Vanessa Vitória disse a um parente que estava com medo de morrer enquanto agonizava. Ela tinha 10 anos e morava na favela Camarista Méier, zona norte da capital do Estado. Apenas em 2017, nove crianças foram atingidas por balas perdidas no Rio de Janeiro (Estadão).
A última criança assassinada foi Vitor Gabriel, de 3 anos. No dia 30 de outubro Vitor brincava com os irmãos na sala da casa onde morava, na favela Buraco Quente, em São João de Meriti, e foi atingido por um projétil que atravessou o telhado. Se a criança for pobre, não há mais segurança dentro de casa, na escola, no carro do pai, no parquinho e nem no útero da mãe.
As crianças são extremamente sensíveis e capazes de perceber a violência que as cerca. Os amigos de Vanessa, depois de saberem que ela foi assassinada, passaram a conviver com o medo de morrer. Os irmãos de Vitor, que brincavam ao lado dele e poderiam ter sido atingidos, guardam o mesmo sentimento. As crianças que brincariam com Paulo Henrique, morto no Complexo do Alemão, em abril, quando estava indo jogar videogame na casa de um amigo, já conheciam o medo da violência há bastante tempo e o pavor passou a ocupar um espaço ainda maior em suas vidas. Passaram a ter medo os colegas de classe de Maria Eduarda, de 13 anos, baleada e morta em março durante uma aula de educação física na Escola Municipal Daniel Piza, em Acari.
Cento e cinquenta mil estudantes da rede municipal do Rio ficaram sem aulas neste ano letivo por causa da violência. Entre as principais propostas das três esferas de governo, blindar muros e paredes das escolas com argamassa especial americana e não fazer operações policiais durante o horário escolar. Não existem políticas públicas mais expressivas para garantir o direito infantil à vida. Faltam esperança, competência e honestidade, por isso não há ideias melhores. Eventualmente enfiam as Forças Armadas nas ruas. Tentam pacificar na marra, não através de desenvolvimento social. Após a retirada das Forças Armadas, a pressão sobre os bandidos diminui e o perigo volta.
O Estado permanece entregue à luta de uma polícia corrupta e mal preparada contra bandidos sem farda. Quando Eduardo de Jesus, de 10 anos, foi assassinado brincando de carrinho na porta de casa, o policial que atirou tentou modificar a cena do crime, mas foi impedido pela família do garoto. Esse é o caráter predominante na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Ela alega que participa de uma guerra e fatalidades como crianças atingidas podem acontecer. A guerra é contra vermes que governam o Estado em benefício próprio, como fez Sérgio Cabral. Em segundo lugar, contra os bandidos criados por governantes corruptos. Tragédias como um servidor público dar um tiro em uma criança são inadmissíveis.
Recuperar o controle sobre o Rio de Janeiro exige que o perfil principal das vítimas seja admitido: são pobres. A sociedade fluminense reprova a morte de crianças, claro. Mas o lado ignorante da classe média – que não é pequeno – pensa que o pobre é culpado pela própria morte porque “faz filho o ano inteiro, não educa direito e produz esses bandidos”. O pobre deve suportar a pobreza com honestidade, aproveitar as maravilhas do ensino público e tentar ser alguém na vida, na opinião de milhões de brasileiros. A compaixão traria decisões políticas melhores nas urnas.