Carnaval na cadeia

Embora excluídos do convívio social, os detentos brasileiros experimentam desafios parecidos com os encontrados em um bloco de Carnaval: vivem espremidos em celas superlotadas, sem camisa, suados e urinam no chão onde pisam por falta de latrinas para todos, como alguns foliões desinibidos e desleixados. Também sofrem assédio sexual que vai além do beijo na boca forçado e do aperto na bunda das foliãs – não raro estupros coletivos ocorrem, principalmente contra transexuais.

607 mil pessoas viviam nas penitenciárias do Brasil até o fim de 2014, de acordo com dados do Ministério da Justiça, a quarta maior população carcerária do mundo. Dispersa pelo país, se concentrada em qualquer rua do Rio de Janeiro ganharia o posto de segundo maior bloco da cidade. Desprovido no entanto de motivos para celebrar.

Violando normas brasileiras e internacionais, 41% dos presos aguardam julgamento dividindo a mesma cela com condenados. São longos os atrasos nos processos judiciais e suspeitos por roubos e furtos se misturam por bastante tempo a criminosos que praticaram males hediondos. Compartilham as mazelas de um sistema que não ressocializa mas desperta o ódio e aprimora habilidades funestas.

Tão populosas quanto o Cordão da Bola Preta, maior bloco do Rio, nas cadeias são clandestinamente vendidos pelos “chaveiros” – presos escolhidos para mandar nas prisões – drogas, cigarros e até lugares simples para dormir, um pequeno pedaço de chão frio insuficiente para esticar as pernas. Consequência grave do abandono unido à lotação extrema, comprovada no levantamento de outubro de 2015 da instituição Human Rights Watch (HRW), que apontou déficit de 230 mil vagas no sistema prisional.

Em Pernambuco, estado onde a taxa de ocupação chega a 186%, a HRW encontrou uma cela na Penitenciária Marcelo Araújo, parte do complexo do Curado, onde havia somente 6 leitos de cimento para 60 pessoas. Juntas no espaço minúsculo, produziam um cheiro insuportável de suor, fezes e mofo.

O setor privado, o Congresso Nacional e o trabalhador comum pararam para comemorar o Carnaval, mas desprezam o gigantesco bloco em condições deploráveis atrás das grades. Falha jurídica e social que já permitiu o encarceramento de uma adolescente de 15 anos na mesma cela com 20 homens. Abominações que envergonham aqueles que prezam a dignidade humana.

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