Quando passo perto de um estacionamento, conto o número de veículos com placa de São Gonçalo até me cansar ou perder na contagem. Cada placa é uma alegria viciante, um afago no peito. A primeira dá vontade de chorar, na segunda penso em gritar, da terceira em diante fico mudo de vez. Não apenas de amor, mas também de dúvida. Afinal, o que é São Gonçalo? Por fim, comparo a contagem com o número de veículos de fora da cidade. São Gonçalo sempre tem mais veículos com seu nome na placa, por razões óbvias, o estranho é que esta pequena vitória traz a esperança de que um dia o município vencerá de verdade, pra todo o povo, em aspectos que eu nem consigo imaginar.
As placas padrão Mercosul provocam uma angústia porque escondem o nome de São Gonçalo. Então eu o procuro em outros lugares ou ele vem até mim, sem que eu peça. Para emitir o boleto de pagamento no site do plano de saúde, o usuário é obrigado a escolher o nome do seu estado e da sua cidade. Quando encontro São Gonçalo, quase no final da lista em ordem alfabética, antes de clicar nele volto para o início da lista pelo menos três vezes. Volto à Angra dos Reis, que não me provoca o menor sentimento, pra ter o prazer de descer a lista e encontrar São Gonçalo de novo. Encontrar São Gonçalo é meu maior desejo como morador da cidade, por isso tenho medo de falhar, de passar o dia sem achá-la porque de repente ela deixou de existir no sistema do plano de saúde e no mapa do estado do Rio de Janeiro. O medo me obriga a escolher São Gonçalo e seguir adiante.
Não se trata de transtorno compulsivo. São Gonçalo é uma das cidades mais difíceis de encontrar e de compreender do Brasil. Pelo maravilhoso fato de que São Gonçalo é capaz de ser o que quiser, mas não se decide. Nas artes há uma infinidade de vocações. Ela já foi chamada de meca do grafite fluminense. Fruto de uma cena local forte e antiga, praticada em diversas praças da cidade, o rapper brasileiro mais ouvido nas plataformas digitais ano passado é gonçalense e se chama Orochi (O Globo). No comércio, poucas regiões sabem atender tão bem o gosto popular como os polos de varejo de moda gonçalenses, conhecidos pela qualidade e pelo bom preço.
Meu coração dispara porque quer descobrir para onde São Gonçalo quer ir. As placas de trânsito indicam os limites da cidade, só não explicam sua identidade. Dono do maior tapete de sal da América Latina construído anualmente no feriado de Corpus Christi, o município também é o berço da Umbanda e possui enorme comunidade evangélica. No entanto, não se assume como referência religiosa para o mundo, nem mesmo carregando nome de santo. Apesar do esforço da juventude que se organiza em torno de projetos culturais, não há trabalho conjunto de desenvolvimento social, econômico, cultural ou artístico que passe pelo poder público.
A página oficial da Prefeitura no Facebook ainda exibe o lema pobre e paternalista herdado do governo Nanci, “Cuidando dos gonçalenses”. O governo do prefeito Nelson não possui qualidades para criar uma visão de futuro digna para uma população de um milhão de pessoas. Enquanto São Gonçalo aguarda por si mesma, ver o nome dela estampado em qualquer superfície, até nos adesivos mais banais, continuará sendo uma explosão de esperança.