O tempo de brincar voltou

O tempo de brincar voltou

Foto: Romario Regis

As férias escolares estão se aproximando. Depois de alguns meses com as ruas meio vazias, já tem criança brincando ao ar livre de novo em São Gonçalo. Enquanto não houver tiros, assaltos e gente armada correndo pra lá e pra cá, funciona mais ou menos assim:

Os meninos que estudam de manhã chegam em casa por volta de meio-dia, tiram o uniforme e vão logo pra rua. Sem almoçar, sem camisa e sem chinelo, embaixo do sol forte, segurando uma pipa na mão e a carretilha com linha chilena enrolada embaixo do sovaco. Em alguns minutos, eles estão posicionados em pontos estratégicos, em esquinas diferentes, cada um com a intenção de cortar a linha do outro e gritar “Bota outra, meu pato!”.

As crianças que estudam à tarde vão para a escola observando o início da brincadeira um pouco decepcionadas e invejosas, fazendo planos de brincar imediatamente depois que a aula acabar.

E é isso que fazem. Quando o turno da tarde termina, aquelas que moram perto umas das outras combinam no caminho de casa qual vai ser a brincadeira do dia. Pipa e futebol são as mais populares nos últimos tempos, mas queimado e pique-esconde estão no grupo das preferidas. Privilégio das ruas residenciais gonçalenses onde a inocência infantil ainda pode ser praticada.

O restante do processo é o mesmo do turno da manhã – chegar em casa rápido, tirar o uniforme, colocar o mínimo de roupa possível (quanto mais roupa vestir, mais tempo demora pra brincar) e voltar para a rua correndo. Então acontece um fenômeno tão interessante quanto a pororoca, o encontro intenso das águas do rio com as águas do mar: perto das 17h, as crianças que estudam de manhã se encontram com aquelas que estudam à tarde, todas livres. Com o horário de verão, contam com quase três horas de luz do sol para se divertir juntas.

As crianças que moram um pouco mais longe vêm ao ponto de encontro de bicicleta. Quanto mais velhas, mais rápido pedalam e mais rápido chegam. Para participar da bagunça, os pais trazem seus filhos pequenos, de menos de dois anos de idade, sonhando que um dia eles sejam jogadores de futebol.

Aí vira uma loucura. Alguém traz uma bola e outro arma dois gols com pares de chinelo, cinco pés cada gol. Meninas jogam no mesmo time que os meninos, não tem essa divisão por sexo não, mas é preciso ter alcançado a idade mínima. Pequeno demais não joga. A rivalidade é tremenda. As disputas de bola são sérias, chegam a fazer barulho, e a comemoração de cada gol é intensa, com gritaria, como se estivessem jogando no Maracanã lotado uma final de Copa do Mundo.

Nem todas as crianças gonçalenses podem brincar, infelizmente. Por exemplo, um grupo enorme, de aproximadamente 10, passa o dia vigiando carros e pedindo esmola no estacionamento da Favela da Central, no bairro Raul Veiga. Para elas, o lema do Governo Nanci, “Cuidando dos gonçalenses”, parece brincadeira.

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