São Gonçalo vive uma longa época de terror. Uma vizinha, que não aguenta mais ser assaltada, resolveu correr dos bandidos. Não adiantou. Ela quebrou o pé tentando fugir e ainda foi assaltada. Talvez precise fazer uma cirurgia. Além dos assaltos, há muitos casos de assassinato e violência sexual, tantos que a sociedade resolver discutir o último tema na Câmara Municipal. A questão, difícil de ser resolvida, é como proteger a mulher gonçalense. Apesar da violência, do desemprego e da falta de serviços simples, como saneamento básico, continuamos mais de um milhão de habitantes e somos obrigados a nos prender a alguma esperança, ainda que singela.
A manhã de hoje começou chuvosa e com a temperatura baixa. Acordei e fui comprar pão. No bolso, para evitar grande prejuízo, só a carteira de identidade e dois reais. Em caso de assalto, minha desculpa já estava pronta.
– Amigo, estou indo comprar pão, nada mais, não trouxe celular.
A mais de cem metros de distância da padaria, eu senti o cheiro agradável do pão no forno. Superando o medo e cada tragédia diária, o padeiro acordou com sua família para preparar e vender o alimento do bairro. Resolvi que o cheiro do pão será minha nova esperança. Enquanto o padeiro tiver coragem de seguir adiante diante do caos, também terei.
É quase inevitável. Há algo inexplicável em São Gonçalo que continua existindo, “apesar de São Gonçalo”, como diria o escritor Rodrigo Santos, gigante das letras. Não é amor, muito menos milagre. É a união dos medos, das poucas alegrias e das inúmeras carências de uma população enorme.
Por exemplo, o medo experimentado pelos moradores do Complexo do Salgueiro e do Jardim Catarina se espalhou através dos áudios compartilhados por mensagens. Cada gonçalense se sentiu prisioneiro. Somos capazes dessa empatia, graças às características demográficas municipais e à tecnologia. Na capital do Estado, o rico não se solidariza com o favelado. Aqui, somos uma favela só.
O ideal seria que o gonçalense ocupasse o Executivo e o Legislativo até Brasília e exigisse um projeto sério para a segurança pública e economia, com prazos e metas. Enquanto não acontece, temos a padaria. As árvores que insistem em florescer no outono. As crianças que de vez em quando se juntam e brincam como nunca. Com medo, mas alegres. As rodas culturais que se espalham de Santa Isabel ao Patronato. O carro do botijão de gás e do ovo, que circulam e gritam pelas ruas.
A vida continua, com ou sem a gente, por isso qualquer esperança serve. Sem esperança, não há luta.