Você já viu as imagens de Rafael Braga que circulam na Internet? Ele esboça um sorriso de superioridade, de alguém debochado que sabe de algo que o resto das pessoas ignora. Condenado, injustamente, a 11 anos e três meses de prisão, com esse sorriso Rafael desafia os brasileiros a encarar os males mais profundos do País.
Vinte e oito anos de idade, morador de rua, catador de materiais recicláveis e preso pela quarta vez: duas vezes por roubo, em 2006 e 2008; em 2013, por porte de “aparato incendiário ou explosivo”; e em janeiro de 2016, por tráfico de drogas e associação ao tráfico.
As duas últimas prisões não se encaixam no conceito de Justiça. Em junho de 2013, passando perto de uma manifestação política, Rafael foi preso carregando uma garrafa de desinfetante Pinho Sol e outra de água sanitária, considerados perigosos pelo Ministério Público (MP) e pelo juiz Guilherme Duarte, que acatou a denúncia do MP. O laudo do esquadrão antibomba da Polícia Civil, entretanto, atestou que ele carregava produtos de limpeza (CartaCapital).
– As substâncias têm ínfima possibilidade de funcionar como coquetel molotov.
Na prisão mais recente, em 2016, policiais militares o acusaram de levar 0,6g de maconha, 9,3g de cocaína e um morteiro. Sem outras testemunhas de acusação e desprezando o depoimento de uma mulher que disse que Rafael estava de mãos vazias, a condenação rendeu mais de 11 anos de cadeia, pena aplicável aos estupradores de pessoas vulneráveis. Rafael alega que os policiais exigiram informações sobre bandidos da Vila Cruzeiro, comunidade onde sua mãe mora, e como não sabia de nada, o espancaram e forjaram flagrante usando o conhecido kit traficante.
Rafael contraiu tuberculose na cadeia. Quarta-feira (30/08), o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro negou pedido de habeas corpus para prisão domiciliar enquanto realiza tratamento médico. Os policiais que o prenderam, os juízes e desembargadores que insistem em mantê-lo preso e os brasileiros que apoiam a manutenção da pena veem Rafael como um marginal que poderia ser alguém na vida se quisesse, como Joaquim Barbosa, ou se fosse devidamente educado pelos pais, mas preferiu o crime. Entre os juízes, apenas 15,5% são pardos e negros (Conselho Nacional de Justiça). De acordo com a lógica racista, os negros não querem ser juízes, acham o crime mais interessante.
Somente 18% dos cargos de destaque no Brasil são ocupados por negros (Folha). Sessenta e dois por cento da população carcerária nacional são negros (Carta). A cada 100 jovens assassinados, 77 são negros (Anistia). Não é fácil ser negro, nem Joaquim Barbosa.
Alvo da atenção da imprensa e de movimentos políticos, Rafael acha graça. Ele percebe que seu caso é tão representativo quanto uma gota do Oceano Pacífico numa colher de sopa – a cada 23 minutos um negro na faixa etária dele é assassinado (BBC).
Obscuro para os preconceituosos, Rafael Braga compreende o significado de estudos apoiados em índices estatísticos. O desafio que propõe é levarmos em consideração o fato da pobreza, da violência e da arbitrariedade do Estado afetarem principalmente uma determinada cor da pele. Diz muito sobre o Brasil, sobre a origem dos seus problemas e como combatê-los.
Libertem Rafael Braga.