Vou contar como funciona a política gonçalense. É provável que você já tenha percebido, mas eu levei bastante tempo para entender. Não me refiro aos complexos acordos partidários, nem às alianças de alto escalão, que podem sofrer alterações surpreendentes a qualquer momento. Sobre essas coisas não sei nada, não tenho capacidade técnica para analisar. Falo da política rasteira do dia-a-dia, dentro de casa, no asfalto ou no chão de terra batida.
Problema absurdo que atinge a cidade inteira, há anos que as lâmpadas dos postes perto da minha casa, no Vila Três, estavam queimadas. A cobrança da taxa de iluminação pública não parou em nenhum momento. Fui à Prefeitura, levei abaixo-assinado, e não resolveu nada.
Em um dia abençoado da semana passada, um senhor, com uma prancheta na mão, bateu na minha porta dizendo que trocaria as lâmpadas. Olhei para o lado e vi que realmente se aproximava um caminhão da Prefeitura. Um milagre, pensei, mas ao mesmo tempo achei estranho aquele contato. Os funcionários da Prefeitura não precisam bater na porta de cada morador para trocar lâmpadas queimadas, basta fazerem o trabalho deles. Depois de me dizer “Boa tarde”, o senhor continuou: “Foi o Fael que mandou a gente trocar”.
José Rafael de Abreu Magalhães, o Fael, é secretário municipal de Meio Ambiente. Homem com mais de 30 anos de experiência na política gonçalense, Fael já se elegeu vereador duas vezes. Perto do período eleitoral, ele intensifica a oferta de favores e atividades gratuitas, como a prática de zumba, às comunidades próximas do bairro Vila Três. Assim conquistou votos para ele e para o prefeito José Luiz Nanci, na última eleição.
O setor de Iluminação Pública não é responsabilidade de Fael, pertence à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano. Acho que Fael conseguiu a troca das lâmpadas porque espera um agradecimento da população e, claro, o nosso voto. Obrigado, Fael, por usar a máquina pública e o dinheiro do povo em seu nome. Espero que o prefeito Nanci tenha concordado com essa ação ilegal, caso contrário, seria uma traição.
Minha rua está iluminada de novo, a sensação de insegurança diminuiu e as crianças têm brincado à noite como nunca. Já que o secretário aceita pedidos, gostaria que ele parasse de pendurar faixas de arame e sarrafo nos postes da cidade. Isso também é ilegal e não pega bem para o secretário de Meio Ambiente poluir o Meio Ambiente.
Um dia, o senhor com a prancheta na mão deixará de fazer propaganda para outros políticos e será candidato a vereador. Vai se oferecer dizendo que era parceiro de Fael e que ambos iluminaram as ruas de São Gonçalo. Caso eleito, seus principais apoiadores estarão empregados em seu gabinete ou na Prefeitura. A dinâmica dos favores, corrupta, já foi admitida em sessão plenária na casa do povo, a Câmara de Vereadores. Ninguém esconde. Lá é chamada de “leitinho dos gatos”.
Ainda no Vila Três, existe um vazamento de esgoto e de água em cada rua do bairro. O povo pisa nos próprios dejetos indo e voltando do trabalho, esperando o favor de algum político para fazer o reparo. Assim a vida gonçalense continua, com o emprego informal, as drogas e a baixa escolaridade maltratando a juventude.
O melhor (ou não) dessa história é que mandaram alguém bater à sua porta. Ou seja, já sabem quem você é e sua relevância no contexto da cidade.
Depois desse “efeito Bolsonaro”, onde um candidato sem apoio foi eleito por uma maioria descrente e disposta a tudo para mudar o governo, é possível que a política gonçalense esteja atenta ao fato de que pode ser varrida do mapa por uma nova geração.
Aguardemos 2020. 😉
Me pareceu que estavam informando a todos os moradores da rua que o benfeitor era Fael.
Se bateram em todas as portas, menos mal. Ainda sim, alguém ficou de olho grande no abaixo-assinado, provavelmente. Enfim, é muito difícil esse desgoverno. :/