Somos seres criados para ajudar uns aos outros naturalmente, pelo bem comum. Não por dinheiro ou comida. Não para o conforto alheio. Servir mediante pagamento é o mais grave desvio da razão humana de existir.
Nascemos iguais em dignidade. Nossa essência consiste em cuidar sem esperar recompensa em troca. Violá-la traz danos profundos aos envolvidos.
Se a empregada doméstica, exemplo frequente de servidão abusiva, fosse capaz de concluir seus afazeres e voltar para casa com a individualidade intacta, sem qualquer envolvimento emocional forçado com a realidade dos patrões, sem ouvir uma palavra sequer sobre a intimidade de quem paga seu salário, sem resolver qualquer futilidade particular estranha, como comprar um esmalte de unhas para a patroa, ou pegar no colo o bebê dela que chora, este trabalho teria legitimidade e deveria ser muito bem remunerado.
Na verdade a empregada deixa sua casa e seus filhos sem os cuidados que merecem. Começa a semana conversando sobre as novidades do domingo, não raro seu único dia de folga. Progressivamente a intimidade com os patrões aumenta e mais detalhes da vida deles são revelados. Logo a empregada toma conhecimento sobre as questões que afetam a casa onde trabalha: casos de infidelidade, dívidas, baixo rendimento escolar das crianças e envolvimento com drogas dos jovens que moram ali. Convive com toda espécie de problema conjugal, 44 horas por semana, mais do que com os próprios filhos e preocupações.
Se lavasse, varresse e limpasse de graça, por caridade ou livre vontade, não haveria mal. O mais alto dos salários não compensa o sacrifício de abandonar o convívio com seus entes queridos para servir à rotina privada de outra família. Criar laços, incompletos, tendo o dinheiro como motivação se assemelha à prostituição.
A cada dia a amizade comprada cresce e com ela a violência. Patrões e empregados percebem que há algo incômodo na fundação de seu relacionamento: o dinheiro. Fingem orgulho pela cumplicidade oportunista construída.
Os filhos do patrão se apegam à empregada tendo a remuneração dela como elo. Também são vítimas desse vício. Ao pedirem um favor qualquer, um copo d’água, não haverá no pedido humildade exata, nem no atendimento prazer idôneo.
Fonte de realização pessoal, o trabalho honesto proporciona sustento, alimentação e moradia. O trabalho deturpado, fonte de riqueza que se acumula nas mãos de poucos, por sua vez, não surgiu espontaneamente. Ele gera uma cruel situação de exploração, mas sujeita a mudanças.
Quanto maior a necessidade de receber cuidados, como a urgência de um doente terminal, quanto mais acentuada a carência financeira do cuidador, pobre criado por nossas instituições, mais desumana se torna a relação de trabalho entre eles.