O Brasil tem jeito? O impeachment de Dilma foi golpe? – Por Helcio Albano e Wilson Vasconcelos

Cada brasileiro já se perguntou quando finalmente será cumprido o futuro promissor do Brasil. E recentemente o país inteiro debateu sobre a legitimidade do impeachment de Dilma Rousseff, primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Dois grandes cientistas sociais gonçalenses opinam sobre essas duas questões fundamentais para o Brasil.

Você vê iniciativas políticas hoje que podem criar, neste século, um Brasil consideravelmente mais educado e menos violento e desigual?

Wilson Vasconcelos

Como trabalho numa organização social onde um dos objetivos seria ampliar as oportunidades educacionais de jovens oriundos de escolas públicas na região, a qual denomino, metropolitana Leste Fluminense tenho tido o prazer de conhecer Instituições privadas e políticas públicas que engrandecem nosso país, mas que ainda são pequenos apetrechos diante de um Brasil continental de pluralidades mil. (econômica, cultural, social). Você bem sabe que uma iniciativa ainda que seja excelente numa determinada localidade não há como ter certeza que terá os mesmos resultados em comunidades distantes. Por isso a importância em criar e atualizar novos indicadores de interpretação do fato social.  Para responder sua pergunta com certo otimismo. Gosto muito do trabalho voltado a educação da Fundação Lemann a qual vem cotejando resultados bem positivos na educação brasileira, ainda de forma diminuta.

Helcio Albano

A resposta valeria uma resenha, mas tentarei ser sucinto. Absolutamente não! O que eu vejo hoje me dá calafrios. O que ocorre no Brasil nesse momento é um flagrante e escandaloso retrocesso civilizatório e social que deixará esse país em ruínas por pelo menos duas gerações.

Setores arcaicos da sociedade, articulados com o rentismo nacional e internacional, agem escancaradamente no sentido de implodir a Constituição de 1988, provas irrefutáveis disso foram a aprovação da PEC do teto dos gastos públicos e agora a tentativa de aprovação das reformas trabalhista e previdenciária.

O pleno funcionamento dessa tríade satânica retira do Estado o seu papel de provedor do bem-estar social, e isso num país extremamente desigual é uma tragédia de proporções inimagináveis no médio prazo. A desigualdade vai se aprofundar e com ela todas as nossas mazelas.

Em 88 havia um consenso na sociedade que o nosso maior problema era a desigualdade social. Hoje, assim como ocorreu em 1964, a pauta da corrupção como nosso maior problema atropelou a pauta do desenvolvimentismo com igualdade social.

Nesse período pós 64 até início dos anos 90 houve brutal concentração de renda e com ela a ampliação da fundura de nosso abismo social. Como dizia o velho barbudo, a história se repete como farsa ou tragédia.

Tecnicamente você classificaria o impeachment de Dilma como golpe, apesar de ter cumprido os ritos legais? Será que o afastamento dela não foi apenas um “gol” do time adversário?

Wilson Vasconcelos

Acredito que a melhor resposta para essa pergunta estaria atrelada a visão partidária de quem conta a história.

Foi revolução ou golpe em 1930? Os procedimentos foram legítimos? E os resultados?

Na minha visão, a Dilma sofreu uma puta rasteira de um congresso fadado ao fracasso e que respira a conta gotas maquiavélicos jogos de procrastinação de ações da Lava-Jato.

Os operadores do poder (Políticos e Juízes) que outrora batalhavam lado a lado estão digladiando para saber quem ficará com o melhor filão do poder. De um lado os juristas, que gozam de um poder de auferir na “legalidade” seus vencimentos e os políticos que gostam de surrupiar as relações econômicas em nome do pixuleco-mor.

Na minha visão, o impeachment não foi acionado de maneira legal ainda que todos os procedimentos legais para condução tenham sido orquestradas.

A utilização de créditos suplementares sem a anuência do congresso já foi utilizada em governos anteriores (FHC, LULA) também pelo Temer e nunca foi indicativo de crime. Então, como não há crime sem lei anterior que a defina entendo que tenha sido golpe político partidário com fortes gotas de pressão popular dado que o país vivia e vive numa retração econômica sem precedentes. O mais louco que após o impedimento de Dilma os créditos suplementares, solicitados sem anuência do congresso pelo presidente, foram legitimados, ou seja, não são mais objeto “mesmo” de crime.

O Rio de Janeiro vem sofrendo um processo de desindustrialização durante esses últimos 10 anos onde nossa maior receita estava atrelada a Petrobrás. Imagine o cenário quando quebra-se nossa Mãe?

Helcio Albano

Antes de tudo, a quebra institucional em nosso país teve uma série de motivações e um elenco de atores numeroso e diversificado.

Foi um golpe e eu digo o porquê: porque, tecnicamente não houve crime de responsabilidade, isto é, não existiu materialidade do ilícito praticado pela presidenta como previsto na Constituição. Tanto, que ao final daquele processo circense no Senado, a Dilma não foi penalizada com a perda dos direitos políticos. São as tais jabuticabas que só existem no Brasil.

E já se sabe que a sanha golpista não teve como principal motivo ‘estancar a sangria’ da Lava Jato. Essa operação foi decisiva no processo, sobretudo para convencer a classe média a embarcar na aventura do impeachment e amalgamar as ações de setores heterogêneos que inclui mídia, judiciário e parlamentares. Mas a Lava Jato foi uma cortina de fumaça.

O impeachment já vinha sendo gestado bem antes das eleições de 2014, quando a Lava Jato ainda engatinhava. E como sabemos disso? Por que as peças desse intrincado quebra-cabeças começam a aparecer e se encaixarem.

Recentemente o assessor e amigão do peito do Michel Temer, José Yunes, confessou que a propina recebida por ele tinha como finalidade financiar a eleição de 140 deputados ligados a Eduardo Cunha. A intenção era elegê-lo presidente da Câmara em 2015, o que acabou acontecendo. Daí o resto é história: pautas-bomba, travamento de MPs e sabotagem sistemática a toda iniciativa do Executivo, que literalmente paralisaram e inviabilizaram o governo, colocando Dilma numa situação insustentável de governabilidade.

O golpe tem vários personagens, mas talvez o ladravaz Cunha seja o mais importante deles por ter aberto e conduzido o processo do impeachment. Num país minimamente sério, Cunha jamais poderia fazer o que fez. Já denunciando e com provas robustas de corrupção, deveria ser afastado imediatamente da presidência da Câmara. Mas o STF esperou candidamente ser feito o trabalho sujo para agir.

Como disse Michel Temer numa entrevista no exterior assim que usurpou o cargo, Dilma caiu porque não adotou as teses da ‘Ponte do Futuro’ do PMDB, esse plano que agora tentam implantar de qualquer maneira no país sob a bandeira do neoliberalismo radical. O real motivo do golpe foi esse, e tem a ver com a primeira pergunta. Se safar da Lava Jato vem depois.

Se foi um gol do adversário? Pode ser. Mas com a providencial ajuda do Juiz que amarrou Dilma na trave para os usurpadores baterem o pênalti.

A menina e o lobo

Vana tinha mais energia, coragem e orgulho do que normalmente apresentam meninas de 12 anos de idade. Enquanto suas amigas temiam caminhar na floresta à noite, as longas andanças de Vaninha quando o sol se punha eram amplamente criticadas na pequena vila onde morava: o lobo podia atacá-la de uma vez por todas num desses alegres passeios noturnos.

Aconteceu. Vana aproveitou a distração de sua mãe, que tentava conter o ímpeto aventureiro da filha, e saiu de casa em silêncio para observar a lua, colher amoras e ouvir o som do riacho. Vendo aquela linda menina de vestido rodado dando “sopa”, o lobo faminto a atacou e matou.

Audaciosa, Vaninha ainda encarou seu algoz antes de ter a carne dilacerada:

– Por que não ataca os garotos que passam por este mesmo caminho durante o dia? Implicou comigo por que meu vestido é vermelho?

Muitos moradores do vilarejo culpam o lobo. Chamam-no de cruel, doente, injusto. Dizem que mata por prazer, não pra comer. Vaninha perdeu a vida – algo certamente abominável, triste e alarmante. A notícia chegou às comunidades vizinhas que não compreendem como deixaram uma menina de 12 anos andar na floresta à noite e sozinha.

Outros camponeses defendem o animal. “Ele seguiu seus instintos para saciar sua fome, não tem sentimentos”. Histórias de ataques são populares, o povoado inteiro considera as noites inseguras. “A menina conhecia o risco que corria, mas desafiou a fera. A culpa é dela”, alegam os defensores do lobo.

Quando lados opostos defendem veementemente, com lágrimas, pontos de vista antagônicos, um evento grave e maior do que o tempo presente se inseriu na História. Comentou-se a morte de Vaninha por semanas, discutiu-se como evitar outras tragédias. E se os dois lados tiverem razão? Não significa que perdas e ganhos sejam iguais para os dois.

Vana foi atacada, mas não era inocente. Amadurecia cada vez que saía de casa escondida à noite e dedicou sua curtíssima vida aos mais puros desejos infantis. Aos 6 anos de idade, curiosamente, ela queria ser uma loba. Não há crime na menina ou no lobo, nem em quem se entrega de corpo e alma às implacáveis leis da natureza.

Disputa entre abutres

Domingo (17/04) a Câmara dos Deputados admitiu a continuidade do processo que julga a presidente Dilma Rousseff por crimes de responsabilidade fiscal. A excitação exagerada dos parlamentares que votaram “Sim” na tribuna denuncia, entretanto, que se esqueceram de avaliar com prudência se houve dolo ou não nos atos da Presidente. Os abutres da Câmara, que se alimentam da desigualdade e do caos social, farejaram principalmente a carne moribunda do Brasil, vítima de um governo politicamente deteriorado e de uma economia quebrada.

Era a vontade de muitos brasileiros nas ruas a continuidade do processo, tantos quanto aqueles que são contra o impedimento de Dilma. Retrato de um país democrático, embora o mesmo equilíbrio não exista na Câmara Federal. Lá determinaram os votos as alianças políticas viciadas cheias de promessas de cargos e boquinhas orçamentárias. Parasitismo, em vez de democracia.

Dilma sofreu derrota pela grave incapacidade de oferecer prestígio e poderes a seus opositores, inclusive ex-aliados. Há relatos de cargos públicos oferecidos a mais de um deputado, segundo o jornal O Globo. A disputa pelo poder é clara, até a aparentemente frágil Marina Silva carrega ambições e cada ator político sabe o que move seu coração: ganância ou dedicação.

As finanças públicas foram tratadas irresponsavelmente pela presidente Dilma, assim os abutres ansiosos encontraram o que comer, se fartaram e jogaram a carniça aos do Senado. Espera-se mais fundamento nos votos de senadores, mas não há garantias de avanço moral na política brasileira no curto prazo. O interesse pela propina, a preocupação com a própria reputação pesarão no voto de cada um mais do que a consciência.

Se houver impeachment, pisaremos na lama, encarando Temer e Cunha (por algum tempo) até sairmos completamente do atoleiro. Mais desemprego, inflação e desespero. Teimosa, Dilma ignorou os alertas da comunidade econômica de que seguia pelo caminho errado, e hoje o Brasil é principalmente o resultado da corrupção institucionalizada e de sua incompetência. Se existiram conquistas sociais, não resistiram ao próprio governo. Dilma Rousseff diz que é vítima dos inimigos do país, talvez almeje posição entre grandes políticos perseguidos da História, mas não é digna de compaixão.