Aceitamos a existência de ricos e pobres por egoísmo. Uma quantidade infame de pessoas quer enriquecer e não valoriza o bem-estar comum. Para desespero do Brasil e do mundo, os egoístas têm maior força política do que os sensatos e influenciam decisões importantes.
Logo a espécie animal que se diz racional e inteligente constrói privilégios entre seus indivíduos. Não é natural, por exemplo, um ser humano viver em condições habitacionais piores do que outro ser humano. No Brasil, 45% da população não conta com saneamento básico (Agência Nacional de Águas). O morador da periferia pula o rio de fezes, urina e gordura que vem do barraco do vizinho pra conseguir entrar em casa. Nos bairros de classe alta, calçadas públicas são transformadas em caminhos mágicos, gramados e arborizados, como nos contos fantásticos da literatura mundial. Esgoto a céu aberto, claro, não se vê.
Quem mais sofre com a pobreza brasileira são os mais jovens. Não temos compaixão nem das 17,3 milhões de crianças e adolescentes até 14 anos vivendo em domicílios de baixa renda. Desses, 5,8 milhões enfrentam situação de extrema pobreza (Diário de Pernambuco). Quase 6 milhões de crianças não sabem o que vão comer hoje e não há uma palavra no meio do povo forte o suficiente contra esse crime.
Só aceita o Brasil desigual quem nutre o desejo de ser um desses raros bilionários. Os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que os demais 95% da população (El País). Há quem defenda que a riqueza de alguns não provoca a pobreza de milhões. O fato é que o Brasil é a oitava maior economia do mundo e um dos países de pior distribuição de renda. A riqueza esta aí e não é dividida, produzida ao lado de gente passando fome, enquanto metade dos brasileiros ganha por mês menos do que um salário mínimo. É hora de esquecer a filosofia barata, taxar os ricos e investir em justiça social.
Sabemos no fundo que existe algo errado no Brasil, mas não é a violência a origem desse sentimento, nem mesmo a corrupção, é a pobreza. Encaramos a pobreza da forma que a escravidão foi vista por 300 anos: “Já está aí, deixa, é melhor que as coisas continuem assim”. Quando negamos igualdade de direitos, distribuição de renda, educação, saúde, saneamento, admitimos a pobreza de novo, todos os dias. Não por acaso, a pele antes escravizada é a mais afetada.
Confundimos culpa com responsabilidade. A pobreza é responsabilidade de cada brasileiro, principalmente de quem pensa que a venceu. Onde se vê riqueza, a pobreza foi apenas expulsa para outro lugar, ao invés de superada. O novo lugar ocupado pela pobreza frequentemente é o mesmo bairro, talvez o mesmo quarteirão onde a riqueza habita, tão desiguais, insensíveis e egoístas que somos.