Ressaca melancólica brasileira

Bebemos, pulamos e transamos, mas o Carnaval de 2016 foi insuficiente para o povo brasileiro esquecer suas tristezas. Nas ruas parece que ainda estamos de ressaca, apáticos, amarelos, indispostos. O efeito do álcool passou. Quando o país enfrenta recessões econômicas e sociais tão graves quanto a atual, a pior das últimas duas décadas, assumimos imediatamente certa melancolia submissa que implora baixinho por salvação aos céus.

Poucos cidadãos são capazes de reagir com facilidade ao trauma da realidade inflacionária altíssima combinada com 9 milhões de desocupados. Historicamente eles habitam movimentos sociais de luta, como MST, UNE e CUT, hoje paralisados pela ilusão de que o prepotente governo Dilma – desde o princípio enterrado na própria incapacidade – combate a pobreza.

Não há qualquer dado estatístico ou previsão de mercado, de nenhum órgão mundial, que aponte alguma recuperação nos próximos três anos. Pelo contrário: a economia piora a cada dia e com ela as previsões, que por mais pessimistas ultimamente ficam distantes da crueza da realidade brasileira.

Parte do abismo em que ainda estamos caindo, a crise política amortece a pele mestiça e colorida do brasileiro e a presidente Dilma não dá provas de liderança que mereçam a confiança popular por dias melhores. Sua defesa entregue quinta-feira (18) ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), contra uma ação do PSDB de impugnação do seu mandato, alegou principalmente que os acusadores também receberam das empreiteiras envolvidas em corrupção recursos para financiamento de campanha. Na verdade estão dizendo “somos tão culpados quanto eles” enquanto o cidadão gostaria de ouvir “definitivamente não exigimos milhões de reais através de doações oficiais para a manutenção de contratos com a Petrobras”.

Um país perplexo em queda livre com Dilma Rousseff no poder. Ao ser escolhida como sucessora de Lula, a primeira reação dela certamente foi de susto pois jamais havia disputado uma eleição. Forçaram a barra demais colocando uma ex-guerrilheira de pulso firme sem habilidades políticas na Presidência da República. Usando Dilma como um soldado-fantoche, a corrupção institucionalizada, que deveria ter terminado junto com o último mandato de Lula, se desenvolveu no Petrolão e se tornou a segunda maior roubalheira do planeta na opinião dos entrevistados pela ONG alemã Transparência Internacional, referência no combate à prática criminosa.

Talvez o Carnaval desse alegria mais duradoura aos foliões se um medo novo não existisse, o da microcefalia. Pela primeira vez o pobre teme engravidar. Na Saúde, pelo menos, as piadas e gafes do ministro Marcelo Castro, incapaz de usar um termômetro, nos proporcionam risos melancólicos. Presente do governo Dilma.

Os imorais se amam

Dilma Rousseff e Eduardo Cunha não poderiam existir sozinhos, um sem o outro. Eles aproveitam a imoralidade mútua para justificar seus vícios. Através desta dependência doentia, Dilma se sustenta como Presidente da República, apesar das pedaladas criminosas e irresponsáveis, e Cunha continua pautando a agenda de uma das principais casas políticas do país, mesmo com provas cabais de sua desonestidade.

Apenas imorais alegam que não podem ser julgados por imorais. Pessoas honestas aceitam qualquer questionamento, porque não devem nada. “Quem tem força moral, reputação ilibada e biografia limpa suficientes para atacar a minha honra?”, discursou Dilma, no 12º Congresso da CUT. Indagação tão mesquinha jamais deveria ter saído da boca da chefe do Executivo de um país democrático. Ela propõe a manutenção do terrível estado em que o Brasil se encontra, quando a Câmara dos Deputados e a Presidência da República ignoram completamente o povo brasileiro e pensam apenas na própria sobrevivência política.

O relatório final da CPI da Petrobras, de responsabilidade do deputado petista Luiz Sérgio, foi um perfeito ato de amor. Ele poupou descaradamente todos os políticos investigados na Operação Lava Jato, inclusive o presidente da Câmara. Cunha mentiu em seu depoimento para a CPI, negou que tivesse contas bancárias no exterior, mas quatro contas foram descobertas, recheadas com milhões de dólares, oriundos de sua participação ilícita nas contratações da Petrobras. Cunha é poupado pelo PT porque seria figura central em um processo de impeachment contra Dilma. O interesse recíproco é também uma forma de amor.

Que esperanças pode ter o brasileiro de estabelecer finalmente algum traço de moralidade na liderança política do país e sair da crise econômica? Podemos aguardar as eleições de 2018 ou desejar que as ações danosas de Dilma Rousseff – entre elas o financiamento sujo da última campanha eleitoral – e Eduardo Cunha, no exercício de seus mandatos, sejam legal e sinceramente julgadas, na ordem em que foram cogitadas inicialmente (primeiro impeachment, depois cassação).

Conquistar a inocência que o Brasil nunca teve vale qualquer atribulação processual, não importa se somos uma democracia ainda jovem; admitir a corrupção no poder, em troca de uma falsa ordem, é optar pelo Brasil de sempre, um dos países mais corrompidos do mundo.