Kaíque sobreviveu aos ataques do Estado

O Estado brasileiro mata pobres e negros com admirável precisão. Geralmente através da violência desmedida da Polícia Militar, do abandono dos hospitais públicos e do descaso nos serviços básicos prestados à população. Idosos, adolescentes e crianças não são poupados. Kaíque Diego de Araújo Cardoso, 4 anos de idade, felizmente sobreviveu ao ataque duplo sofrido no fim do mês passado.

Kaíque ficou em coma por dois dias após ser atingido por uma descarga elétrica numa das roletas da estação BRT Mercadão, em Madureira, bairro do Rio de Janeiro. Foi o primeiro ataque do Estado contra ele. Teve duas paradas cardíacas, uma respiratória, foi entubado e recupera aos poucos a capacidade de falar. Ainda internado no Hospital Albert Schweitzer (HAS), Kaíque passou antes por dois hospitais municipais que não tinham os recursos necessários ao seu atendimento – segundo ataque do Estado – até conseguir vaga no Centro de Terapia Intensiva (CTI) do HAS, em Realengo, zona oeste da cidade.

Não houve acidente, mas um “dane-se o povo” por parte do consórcio BRT Rio e do poder público, que o contratou. Antes do menino ser atingido, usuários reclamaram que receberam choques das roletas de acesso. De acordo com um funcionário do BRT em entrevista ao Jornal Extra, dois eletricistas estiveram na estação Mercadão mas não conseguiram resolver o problema. Em vez de interditar imediatamente as roletas, única medida decente diante do defeito que colocava vidas em risco, os controladores orientaram os passageiros a passar com os braços levantados para evitarem o choque. Até que Kaíque ficou grudado em uma delas pelo peito por quase dois minutos, sua avó e sua mãe tentaram retirá-lo e foram atingidas e só na terceira tentativa o desgrudaram.

A mesma displicência generalizada mantém o mosquito Aedes aegypti vivo e ativo há décadas, se reproduzindo no nosso cotidiano. É revoltante como cada tipo de calamidade no Brasil, tragédias exclusivas de países onde a fiscalização é historicamente corrupta, recai sobre a mesma classe social e cor da pele, os mais vulneráveis. O consórcio BRT Rio deve ser duramente punido pela Justiça, tanto quanto a Prefeitura do Rio de Janeiro, responsável por colocar a segurança da população carioca nas mãos de empresários desumanos e mercenários.

A história poderia ter sido fatal se a Polícia Militar, que oscila entre o heroísmo e a selvageria, não agisse rapidamente. Assim que viu Kaíque desfalecido, o soldado Bruno Araújo pegou a criança nos braços e correu, arriscando a própria vida entre veículos, em direção ao hospital mais próximo onde realizaram os primeiros socorros. Bruno mudou o final da história. Provou que com dedicação sincera o Estado pode salvar aqueles que despreza.