Sem-teto tem direito de invadir e protestar

Foto de Maria Francisca Cruz (https://twitter.com/5453Cruz)

São Gonçalo virou notícia no Brasil inteiro e desta vez não foi graças à violência – por mais de 10 dias o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) ocupou um terreno em Santa Luzia. A ocupação contou com centenas de famílias que sonham com a casa própria e que deixaram o terreno, pacificamente, após o compromisso público de que as casas serão construídas.

Encerrada dia 12/11/2014 e batizada de Zumbi dos Palmares, a ocupação resultou da iniciativa dos sem-teto gonçalenses e de um estudo realizado em conjunto com o MTST, que elegeu um terreno abandonado de 60 mil metros quadrados para ser invadido. Embora pertença legalmente a G Bastos Comércio e Indústria de Embalagens Plásticas, que antes da desocupação obteve da Justiça um mandado pela reintegração de posse, os sem-teto tinham tanto direito de ocupar o terreno infértil quanto qualquer cidadão tem direito a vida digna.

O direito a moradia aparece na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição Federal. Não significa que o Estado deve construir e dar casas de graça, às custas daqueles que pagam impostos. Mas sim viabilizar a conquista da moradia para todos, utilizando verba pública para financiar a construção de habitações, gerando empregos e formas para que as pessoas tenham condições de adquirir a própria casa a preço justo. Apesar do programa Minha Casa Minha Vida, em São Gonçalo existe um déficit habitacional de pelo menos 20 mil moradias (quantidade informada pela Prefeitura), que impacta principalmente miseráveis, desempregados e aqueles que vivem em áreas de risco de desabamento ou dominadas pelo tráfico.

Se os pobres da cidade não podem invadir um terreno privado que não produz há anos, grupos de investimentos também não têm o direito de adquirir grandes áreas de terra, nem de destruir praças e construir shoppings no lugar. O solo gonçalense pertence ao povo, que luta por dignidade e abrigo, não pede mansões; sabe que o problema começa na reforma agrária jamais implementada e se estende à necessidade de reforma urbana. Discordaram da invasão aqueles que jamais dormiram uma noite sequer na rua, ao relento. Não são vagabundos, pessoas que abandonaram o conforto do lar para se dar bem. Eles não têm o que chamamos de lar.

Pela recuperação da Praça Chico Mendes

Não consigo conceber como pessoas comuns, jovens, idosos e crianças poderiam utilizar uma praça tomada por estruturas de ferro. Sendo artistas de circo, talvez houvesse utilidade. Tão pouco compreendo como uma equipe de profissionais foi convencida a executar projeto tão estúpido.

Há 1 ano e 8 meses atrás, a Praça Chico Mendes, no bairro Raul Veiga, foi destruída por aqueles que deveriam protegê-la, a própria administração pública de São Gonçalo. E até hoje as três quadras poliesportivas e a pista de skate que haviam na praça e faziam parte das raríssimas opções de lazer que existem na cidade ainda não foram reconstruídas.

Em uma demonstração clara de fanatismo religioso e ignorância política e cultural, o nome da praça também tentaram modificar, cabendo ao povo adotar ou não a mudança. Enquanto estiver vivo jamais vou citar o novo nome, diante das condições arbitrárias em que o impuseram, embora se refira ao livro mais importante do mundo em número de cópias vendidas.

A transformação insensata da Praça Chico Mendes, quando o necessário era apenas uma reforma do que já existia, foi um ataque de ódio à população de São Gonçalo, principalmente ao público jovem que frequentava o local, às crianças que ali se divertiam, aos idosos que nela circulavam. Há tanta burrice neste ato que não coincidentemente a praça se encontra fechada com correntes e cadeados desde o fatídico dia da inauguração da obra.

Aqueles que projetaram este bizarro monumento à incompetência humana, engenheiros, arquitetos (se é que existiram) merecem ter suas licenças profissionais cassadas e jamais exercer novamente a profissão. Como R$ 2 milhões do dinheiro público foram desperdiçados e o patrimônio anterior, de valor inestimável porque era um espaço de lazer dentro de um centro urbano caótico, foi destruído de forma criminosa, cadeia para esses indivíduos, inclusive a responsável maior, a ex-prefeita Aparecida Panisset, não seria exagero. A Justiça poderia poupar somente o pedreiro que talvez passasse fome se não aceitasse o emprego. O resto deveria ser punido.

Se você mora em outro ponto da cidade, deveria ver o quão espantosa está hoje a praça com estas barras de ferro altíssimas emaranhadas em diversos sentidos. As lonas com passagens bíblicas, objetivo maior da reformulação fanática, estão rasgadas, dependuradas e quase não existem mais, deterioradas pela ação do tempo em menos de dois anos. Gostaria de conhecer quem teve esta ideia e não pensou em coisas tão óbvias, como o vento e a chuva. E quem a executou dificilmente acreditou que funcionaria.

Na verdade a destruição da Praça Chico Mendes deve ter sido uma descarada lavagem de dinheiro amparada pelo apelo religioso. Exija que a administração atual inicie imediatamente a recuperação total da praça.

Fazenda Colubandê continua abandonada

Vândalos que certamente não compreendem o significado de patrimônio histórico e artístico picharam, mês passado, aquela que é a única atração turística urbana de São Gonçalo. Construída no século 17 e tombada pelo IPHAN há mais de 70 anos, a pichação permanece até hoje na parede frontal da Fazenda Colubandê, abandonada por todas as esferas de governo e pelos habitantes da cidade desde que deixou de ser utilizada pelo Batalhão de Polícia Florestal em 2012.

Iniciativas populares de ocupação do local, que não contam com a adesão necessária da população, não impedem que o mato tome conta do espaço, o acúmulo de entulho nas dependências, a infiltração causada pelas chuvas e demais males provocados pela falta de manutenção de um imóvel de grande porte. A participação dos gonçalenses nesse crime é bastante simples: não fomos capazes de exigir da administração pública o devido zelo com um dos poucos lugares arborizados da cidade onde é possível relaxar, caminhar ao ar livre, longe da poluição dos veículos, e de fácil acesso.

A Prefeitura de São Gonçalo, que exibe na página principal do seu site, como símbolo da cidade, bela foto da Fazenda Colubandê tirada antes da pichação, deveria no mínimo ter providenciado a pintura da fachada em respeito à cidade que administra. Mesmo que legalmente não seja responsável pela restauração, acredito que o governo do estado do Rio de Janeiro não ficará chateado por isso.