Um Rio de sangue cada vez mais profundo

Um Rio de sangue cada vez mais profundo

Davidson estava na varanda de casa, segurando o filho de 10 meses no colo, quando foi baleado ontem, na Rocinha. O impacto do projétil derrubou o bebê no chão e ele bateu a cabeça. Pai e filho receberam socorro na mesma Unidade de Pronto Atendimento. Davidson morreu. Ainda não há informações sobre o estado de saúde da criança.

O Rio de Janeiro vive tragédias assim diariamente, não raro mais de uma vez por dia. A angústia que corre junto com o sangue das vítimas se espalhou no ar. Quem não tem carro blindado na garagem nem mora em condomínio de luxo com seguranças na portaria compartilha dor.

De acordo com a Polícia Militar, não houve confronto com traficantes na comunidade e a origem do tiro que matou Davidson é desconhecida. Marielle Franco e Anderson Gomes foram executados há 16 dias, a notícia correu o mundo, e a polícia também não sabe quem os matou.

Donos de gírias famosas, os habitantes da região metropolitana do Rio dizem entre si que “Já era” ou “É o fim do mundo”. Também estalam a língua repetidas vezes no céu da boca, sem palavras. Não enxergam solução para a questão da segurança pública. Só o rico, menos impactado, guarda esperança de que a violência seja contida pela intervenção militar.

As crianças ainda brincam nas ruas mas brincam incomodadas pelas armas nas mãos da polícia, do exército e de bandidos onde antes não circulavam (há cidades infestadas de barricadas montadas por traficantes, como São Gonçalo). Qualquer barulho interrompe a brincadeira por medo de tiro. Nem sempre dá tempo de correr. Em 2015, Eduardo de Jesus, de 10 anos, foi morto com um tiro brincando de carrinho na porta de casa, no Complexo do Alemão. A bala saiu do fuzil de um policial militar. Ele tentou alterar a cena do crime e ameaçou matar a mãe do garoto, que viu tudo (G1).

A morte frequente de bandidos e policiais em confronto virou tristeza que não surpreende mais ninguém. Grávidas, fetos, crianças e estudantes atingidos e mortos por armas de fogo são a novidade. Os alunos da rede pública da Capital passam mais tempo abaixados nos corredores das escolas, se protegendo dos tiros, do que nas salas de aula.

O Rio de Janeiro se tornou o Estado das chacinas. Apenas em 2018, até o dia 25 de março foram vinte ocorrências com mais de 3 civis mortos em cada uma delas (Fogo Cruzado). Quase sete massacres por mês.

Na última chacina, na cidade de Maricá, homens armados deitaram cinco jovens no chão e atiraram na cabeça de cada um. Jovens que conversavam dentro de um condomínio residencial. Além do fardo de enterrar seus filhos, entre eles três menores de idade, as famílias tiveram o trabalho de defender sua inocência. Nenhum dos jovens tinha envolvimento com o crime, de acordo com a delegada titular da delegacia de homicídios da região, Bárbara Lomba.

Para o brasileiro preconceituoso, todo jovem assassinado é bandido e “bandido bom é bandido morto”. Admitir a morte de alguém, sob condições ilegais, viabiliza o assassinato de qualquer pessoa, culpada ou inocente. Por atribuir valores diferentes à vida humana o Rio se afoga em sangue. Pode acontecer onde o cidadão fluminense menos espera, na Rocinha, no Alemão, na Maré, no Salgueiro ou nos diversos bairros dominados pelo tráfico de drogas e pela corrupção policial.

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