Sem nenhum aviso da Prefeitura, uma barricada feia e suja foi instalada durante a madrugada na Rua Redentor, bem perto da esquina com a Rua Joana Angélica, um dos metros quadrados mais caros de Ipanema. Os curiosos se aproximaram do obstáculo com os primeiros raios do sol. Ao invés da caminhada matinal, do cafezinho na padaria mais próxima, ficaram ali observando, indecisos entre a surpresa e a revolta.
Uma jovem atriz global não se conteve diante da “ofensa”, tirou uma selfie e publicou no Instagram com palavrões na legenda, antes de ligar para o 190. O policial respondeu, encabulado, que barricadas como aquela, impostas contra a vontade do povo, são mais comuns no Estado do Rio de Janeiro do que se imaginava. A recomendação era voltar para casa em silêncio e não tentar descobrir a origem do bloqueio. A polícia militar planejaria, com cuidado, uma operação com o apoio das Forças Armadas e do BOPE para ir ao local.
Depois de perder a paciência, a atriz gritou ao telefone que não morava em área de risco e seus impostos estavam em dia. O policial disse que se tinha barricada e nenhuma sinalização da Prefeitura, não podia fazer nada. Nas comunidades dominadas pelo tráfico, emendou, os moradores são obrigados a dar dinheiro a traficantes e milicianos para não morrer. Em Ipanema, pelo menos, ela não passaria por essa humilhação.
Parte do horror que acontece todo dia na Baixada Fluminense e na região metropolitana havia chegado à nobreza da capital. Era uma mistura de terra, pedras, placas de concreto e ferro, provavelmente roubados da reforma de um prédio a menos de cem metros do local.
Os engarrafamentos aumentaram. O comércio de luxo foi afetado. As calçadas ficaram tão sujas que as cadelas de estimação não podiam mais passear. Uma poodle que mora no prédio em frente ao monte de entulho passou a sofrer crises de ansiedade. Um famoso professor suspendeu a reunião semanal sobre Literatura no seu apartamento. Os pais que usavam aquele trecho para levar os filhos à escola precisaram se adaptar a um caminho mais longo.
A empregada da atriz aconselhou à patroa a aceitar a nova realidade. No bairro em que mora, na cidade de São Gonçalo, um homem foi torturado e morto por exigir publicamente a remoção da barricada. “Imagine um vídeo da senhora, machucada e com as mãos amarradas, circulando no WhatsApp de toda Ipanema”, alertou. A jovem concordou em ficar quieta, mas não gostou da sensação de impotência e abandono por parte do Estado.
A ideia da polícia invadir a Rua Redentor atirando em busca dos responsáveis foi descartada. Poderia atingir crianças e pessoas inocentes, como acontece nas favelas. Também seria melhor não contar com a ajuda do Exército se isso implicasse em identificações forçadas, com a identidade na altura do peito. Não combina com o estilo de vida carioca. Quem sabe um dia, com a Educação desenvolvida no país e o exercício pleno da democracia, a barricada suma de repente, no meio da escuridão, do jeito que nasceu.